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27 de janeiro de 2007

"Desmedida" de Ruy Duarte de Carvalho

Desmedida (Cotovia, 324 pp, 14 euros) é o novo livro – a lançar dentro de dias, e de que o JL antecipa dois excertos – do poeta, escritor e antropólogo angolano Ruy Duarte de Carvalho, 65 anos, uma das vozes mais singulares da Literatura de expressão portuguesa. É a narrativa de uma viagem entre Angola e Brasil, a realidade e a ficção, em que o escritor se torna explorador seguindo a “respiração” do rio S. Francisco. Ruy Duarte de Carvalho, que reuniu a sua poesia no volume Lavra, é autor ainda de Os Papéis do Inglês, Vou Lá Visitar Pastores e As Paisagens Propícias, entre outros. Aqui, o escritor responde, por escrito, às perguntas que lhe fizemos sobre esta sua nova obra.

Jornal das Letras: O que procurou encontrar nesta viagem que partiu de Luanda e lá regressou, depois de percorrer o Brasil?
Ruy Duarte de Carvalho
: A viagem do livro sai de Luanda e volta a Luanda, sim, e talvez isso possa trazer alguma água-no-bico, tudo a desenrolar-se num hemisfério sul que nalguns casos já pode permitir-se não ter de recorrer obrigatoriamente ao norte, etc., etc… é conversa de agora e a uns agrada, a outros não… mas essa viagem, com programa ou com ficção de narrativa a haver, não esteve nunca destinada a ‘procurar encontrar’… ela só se impôs quando a dada altura vi que dava para querer ir curtir e ver… ir ver, em Minas Gerais, se os sorrisos, agora lá, rimavam ainda com os que eu tinha andado a vida inteira a decifrar em livros brasileiros…

E que encontrou nessa demanda seguindo o rio S. Francisco?
Encontrei sorrisos, sim, e investi numa experiência que eu andava muito a querer ter: aprender a reconhecer os tempos da respiração de um grande rio…

Desmedida deambula também em torno de personagens como Blaise Cendars ou Richard Burton. Porquê? E quais as razões da escolha?
Nem escolha foi… Vi-me na pele de Cendars, convidado de luxo, numa fazenda do interior paulista, e a conversa pegou em sir Richard Burton… fazia a ponte com África, de onde eu estava a sair, e apontava ao São Francisco, por onde ele andou a explorar delírios na década de 60 do século XIX… ora quem diz S. Francisco diz também pelo menos, pelo menos para mim, Guimarães Rosa e Euclides da Cunha, e Independência do Brasil, e holandeses antes… entrariam então fatalmente em cena, a partir daí, as complementaridades, as simultaneidades, as contiguidades entre o Brasil e Angola, até hoje, em pleno boom de desmedidas ocidentalizastes alargadas às extremas fronteiras da expansão, etc., com índios encravados no fundo de inconcebíveis amazónias sem nunca terem visto homem diferente, etc., e tudo isto considerado a partir de um arranha-céus no centro desse pólo da rede de articulação do mundo que a megapolis de São Paulo é… etc., etc… (é disso também que a viagem consta)… nessa altura já não dava para não querer fazer o livro…

Cruzam-se em Desmedida também linhas narrativas ficcionais? Como é que o viajante faz essa tessitura? E é também o olhar do antropólogo que se reflecte na narrativa?
A linha ficcional principal, em casos destes, às tantas, julgo, é a da própria engenharia da narrativa… e depois tem derivas pessoais, a partir do que se vê, lê ou lembra ter lido, que vão articular-se a ficções e a memórias alheias… o olhar do antropólogo, esse, não vem fazer nada aqui… o olhar que neste caso comanda a narrativa é que, em sendo caso disso, pode servir ao antropólogo também…

Que relações estabelece Desmedida com livros como Vou lá visitar Pastores?
No Vou lá Visitar Pastores é o antropólogo quem narra… aqui neste livro – e dos Pastores para frente – quem narra é outro que já tinha agarrado, antes de ser antropólogo (ou já tinha sido agarrado por…), uma maneira de olhar tributária sabe-se lá o quê…


Maria Leonor Nunes

JL-Jornal de Letras, Artes e Ideias, 17-30.01.2007

1 comentário:

Anónimo disse...
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