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9 de abril de 2008

Abril

Vinhas descendo ao longo das estradas
Mais leve do que a dansa
Como seguindo o sonho que balança
Através das ramagens inspiradas.

E o jardim tremeu,
Pálido de esperança.


Sophia de Mello Breyner Andresen
“Dia do Mar”

O Búzio de Cós

Este búzio não o encontrei eu própria numa praia
Mas na mediterrânica noite azul e preta
Comprei-o em Cós numa venda junto ao cais
Rente aos mastros baloiçantes dos navios
E comigo trouxe o ressoar dos temporais

Porém nele não oiço
Nem o marulho de Cós nem o de Egina
Mas sim o cântico da longa vasta praia
Atlântica e sagrada
Onde para sempre minha alma foi criada


Sophia de Mello Breyner Andresen
“O Búzio de Cós e outros poemas”

Instante Apenas

Para que a noite não assuste
comprei um rouxinol

deixei de escutar o silêncio
[só o canto do pássaro]

agora, a noite, é um instante
apenas.



Ivo Machado
“Os Limbos do Verbo”

Fala da Bússola

Próximo o mar

mas o que vi foi um pedaço de terra húmida
envolvendo meu esqueleto. Um afago
memória do tempo

quando a bússola dizia
– sul, tua casa.


Ivo Machado
“Os Limbos do Verbo”

(o resto da minha alegria) dois

meu amor inventado
ainda assim tanto demoras

quantas vezes te inventei
ao pé das
águas do lago e
imaginei que me empurravas
ladeira abaixo para
enfim
morrer de amor

é a luz que nos sorve
as sombras como só os
anjos são claros, mas eles
nunca o saberão, ai amigo
escureço agora e se
me enjeitas quem me
vestirá de morta

também para que me
sepultes como semente
e nunca como uma flor
porque sei que tudo
me diz bem venda ao
mundo inteiro enquanto
parto

terás de perdoar a
tristeza do meu corpo, ele
não entende o que estou
a fazer

e se alguma vez me
vires nos teus sonhos
sacode-me a terra ao coração

depois
pensas em mim como
alguém que vive no
futuro
e não temas mais nada

a morte é um milagre
abrirá sobre ti como caminho meu

chegarás, sei-o, depositado
sobre mim como um hábito
ou algo a comer

e em nenhum
túmulo caberá a
minha alma, vazarei
pelos tamanhos remediada
com a solidez das coisas
que te tocarem

como se os mortos florissem
inclinarei o pé à tua
passagem se em sorte estiveres
perto, não me enganarás
e não te enganes também com
as frondosas pétalas,
sente a minha pele no odor
atípico do girassol e não
me abandones mais

e faz-me sempre assim,
empoleirada nos telhados
a enganar os girassóis

não é sobre a solidão,
pouco me importa quem me
desviou palavra, é sobre
a tua ausência no lugar
íngreme da minha pele, por isso
cairei implume telhado abaixo
debulhada no coração

agora eu era linda outra vez
e tu existias e merecíamos
noite inteira um tão grande
amor

agora tu eras como o tempo
despido dos dias, por fim
vulnerável e nu, e eu
era por ti adentro eternamente

lentamente
como só lentamente
se deve morrer de amor

abençoo-te para sempre
e é assim que morro, corajosa
a escrever um livro de
amor sem chorar


valter hugo mãe
"o resto da minha alegria"