Vinhas descendo ao longo das estradas
Mais leve do que a dansa
Como seguindo o sonho que balança
Através das ramagens inspiradas.
E o jardim tremeu,
Pálido de esperança.
Sophia de Mello Breyner Andresen
“Dia do Mar”
Vinhas descendo ao longo das estradas
Mais leve do que a dansa
Como seguindo o sonho que balança
Através das ramagens inspiradas.
E o jardim tremeu,
Pálido de esperança.
Sophia de Mello Breyner Andresen
“Dia do Mar”
meu amor inventado
ainda assim tanto demoras
quantas vezes te inventei
ao pé das
águas do lago e
imaginei que me empurravas
ladeira abaixo para
enfim
morrer de amor
é a luz que nos sorve
as sombras como só os
anjos são claros, mas eles
nunca o saberão, ai amigo
escureço agora e se
me enjeitas quem me
vestirá de morta
também para que me
sepultes como semente
e nunca como uma flor
porque sei que tudo
me diz bem venda ao
mundo inteiro enquanto
parto
terás de perdoar a
tristeza do meu corpo, ele
não entende o que estou
a fazer
e se alguma vez me
vires nos teus sonhos
sacode-me a terra ao coração
depois
pensas em mim como
alguém que vive no
futuro
e não temas mais nada
a morte é um milagre
abrirá sobre ti como caminho meu
chegarás, sei-o, depositado
sobre mim como um hábito
ou algo a comer
e em nenhum
túmulo caberá a
minha alma, vazarei
pelos tamanhos remediada
com a solidez das coisas
que te tocarem
como se os mortos florissem
inclinarei o pé à tua
passagem se em sorte estiveres
perto, não me enganarás
e não te enganes também com
as frondosas pétalas,
sente a minha pele no odor
atípico do girassol e não
me abandones mais
e faz-me sempre assim,
empoleirada nos telhados
a enganar os girassóis
não é sobre a solidão,
pouco me importa quem me
desviou palavra, é sobre
a tua ausência no lugar
íngreme da minha pele, por isso
cairei implume telhado abaixo
debulhada no coração
agora eu era linda outra vez
e tu existias e merecíamos
noite inteira um tão grande
amor
agora tu eras como o tempo
despido dos dias, por fim
vulnerável e nu, e eu
era por ti adentro eternamente
lentamente
como só lentamente
se deve morrer de amor
abençoo-te para sempre
e é assim que morro, corajosa
a escrever um livro de
amor sem chorar
valter hugo mãe
"o resto da minha alegria"