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14 de janeiro de 2011

Palavras com açúcar

publicação original
13.02.2007
[url] http://angolaharia.blogspot.com/2007/02/palavras-com-acar.html





Apontamentos que me ocorrem sobre a Mesa 8 do 8º “Correntes d’Escritas” (coincidências numéricas, apenas) – “Letra & Música”.
Cheguei 5 minutos mais tarde.
Quem me conhece sabe que isto, em mim, não é novidade. Comecei a ser assim logo ao nascer. Tarde vim a saber que, contrariamente ao que sempre imaginei, não nasci em Angola, Porto-Alexandre-agora-Tombwa. Ao que consta nasci aqui, na Póvoa do Mar, na Rua de Senra. Os estranhos que não estranhem, portanto, a tardança que co(migo)abita.

Cheguei 5 minutos mais tarde e já Ivo Machado cantava a sua relação com a música.
Lugares vagos já não havia, nem nos degraus da escadaria. E há quem diga que é má a relação do povo com a literatura. Aqui, durante o “Correntes d’Escritas”, ficou provado o contrário. Tenho para mim que tais senhores, os que falam grosso de poleiro sobre tais barbaridades, querem é os livros todos para si. Para enfeitar estantes e servir de cunha a móveis cambaios.

Já Ivo Machado cantava a sua relação com a música que não escuta no carro nem enquanto escreve. O Manuel Freire, mais lá para diante, irá chegar a roupa ao pêlo aos tais senhores de poleiro. Aqueles que pensam que a cultura se incrementa com ivas e outros impostos semelhantes. Ivo Machado, entretanto, cantava-nos coisas da sua relação com Fernando Lopes-Graça e de Lopes-Graça com “Alguns Anos de Pastor” e dos seus poemas com a música de Fernando Lopes-Graça.

O Manuel Freire, mais lá para diante, irá chegar a roupa ao pêlo aos tais senhores de poleiro, quando afirmar que, nestas coisas da cultura toda – dos livros, dos quadros, dos discos, das estatuetas, dos artesanatos, acontece o mesmo que com os putos: “as crianças não gostam de azeitonas porque nunca lhas deram a provar”. E quem assim fala sabe o que diz: foi só o inventor, a meias com António Gedeão, do mundo que “pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”. O que eu não sabia é que, na primeira gravação, Manuel Freire se esqueceu do “bichinho álacre e sedento, de focinho pontiagudo”. Mas a explicação é simples: na altura não havia máquinas de fotocópia como hoje e o Manuel Freire teve que copiar o poema à mão. E vai daí.

Lugares vagos já não havia, nem nos degraus da escadaria. Fui obrigado a quedar-me de pé, ao fundo do anfiteatro, rodeado de sacos e mochilas. Isolado apenas durante alguns minutos porque os espaço foi depois preenchido por outros mais-retardatários. O que prova que nem em questões de tardança há singularidades. Ivo Machado, um dia destes, ficou a saber que gostava de música. Quem lho ensinou foi, precisamente, Lopes-Graça (ou terá sido José Gomes Ferreira? Ou Vitorino Nemésio?), apontando para os pêlos que o nosso amigo Ivo ostentava, arrepiados, nos próprios braços. O que eu também não sabia era que Lopes-Graça não gostava dos baladeiros. Mas também ninguém é perfeito, caramba!

Ninguém é perfeito, carago como o Sérgio Godinho que era alérgico ao fado e que também nunca se considerou baladeiro, embora tenha aprendido a compor e cantar canções com bons professores da balada: Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Manuel Freire. E com eles aprendeu a arte de conjugar música e palavra: “um poema tem uma musicalidade subjacente”. Mas, paradoxalmente, SG, que escreve os poemas para as suas canções, compõe a partir da música porque, diz ele, “é a música que determina a forma, a intenção do que vai ser dito e, sobretudo, o ritmo das frases”. O que acontece ao contrário com Manuel Freire, que inventa música para palavras alheias, coisa que diz ter apre(e)ndido com Paço Ibañez. Se não sabia, fica a saber: mestre SG diz que todos temos um ritmo interno que gere os sons e os silêncios… musicais.

Pegando na deixa “tanto a música como o discurso se fazem de silêncios e os silêncios geram expectativas”, Vitorino falou do cante alentejano: "canto muitas vezes com grupos de música alentejana, uma música rural, de gente simples, mas onde os silêncios são usados com uma sabedoria única". Mas Vitorino não se ficou por aí: saltou de canto em canto e chegou à invasão da música anglo-saxónica, coisa (a invasão) que ele não suporta e que se iniciou com a declaração de João David Nunes: que não iria cumprir a lei das quotas da Música Portuguesa na rádio. Lá que o senhor o disse, disse, que eu também ouvi. O João Gobern, da assistência, bem tentou meter água na fervura, argumentando com o muito que o David Nunes fez pela rádio (basta saber como e qual) mas só fez foi aumentar a fervedura do Vitorino. Ficou-se por aí porque o Victor Quelhas, como bom moderador, desligou o fogão.

O poema do Hino Nacional de Angola é do Manuel Rui, sabiam? Pois, ele também não sabia que “a lágrima”, a canção, “tem que ser ouvida em silêncio” como lhe ensinou, vejam bem, um empregado de hotel no Brasil. Disse Manuel Rui que enquanto um romance está condenado a ser lido em silêncio, “num poema as palavras podem ser filtradas pela música". No romance é o leitor que vai ao seu encontro, no poema musicado dá-se o contrário: a canção vem ter connosco, recebemo-la, cantamo-la, trauteamos até um hino. Verdade-verdadinha, quando que o Manuel Rui falava a gente parecíamos todos “os meninos à volta da fogueira”, aprendendo "coisas de sonho e de verdade".

Da assistência, para terminar, veio o testemunho de que as crianças é que entendem disto. Quando alguém, talvez uma educadora, certa vez pediu a uma criança uma definição de canção, o petiz não se fez rogado:

“Cantigas são palavras com açúcar dentro”


admário costa lindo

 
comentários:

at 13/2/07 11:44 PM, Zé Kahango disse...
Não estive lá, mas com o seu apontamento, até as músicas ouvi...

24/2/07 10:21 PM, Anónimo disse...
"cantigas são palavras com açúcar dentro..."
na musicalidade sabem a mel/
na essência néctares são.../
toadas no ar, frisadas no papel/
palavras doces bafejadas d'emoção!!!
nesta imagem s'ajusta a inocência.../
a alma do que se diz... pureza/
na miscelânea tal transparência/
no sentir o "doce" da eterna beleza!!!
Admário...
sempre surpreendendo...
Se Gosto...
1Bjinhão
saudadeeeeeeeee
sempre...
aileda

at 9/3/07 12:27 AM, africamente disse...
Um novo espaço de encontros e amizades , com videochat, mapas, blogs, albuns de fotos, videoteca, música e noticias sobre Africa! www.africamente.com

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