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13 de fevereiro de 2007

A Génese do Amor

Talvez um intervalo cósmico
a povoar, sem querer, a vida:
talvez quasar que a inundou de luz,
retranformou em matéria tão densa
que a cindiu,
a reteve, suspensa,
pelo espaço –

Eram formas cadentes
como estas:

Imagens como abóbadas de céu,
de espanto igual ao espanto em que nasceram
as primeiras perguntas sobre os deuses,
o zero, o universo,
a solidez da terra, redonda e luminosa,
esperando Adamastores que a domestiquem,
ou fogos-fátuos incendiando olhares,
ou marinheiros cegos, ávidos de luz,
da linha que, em compasso,
divide céu e
mar

Quasar é pouco, porque a palavra rasa
o que a pele descobriu. E a pele
também não chega:
pequeno meteoro em implosão

Estátua em lume, talvez,
à espera, a paz (ainda que haja ausente
crença ou fé), e, profano, o desenho
desses estranhos bichos,
semi-monges, malditos,
deslumbrados,
e uma visão, talvez,
na penumbra serena de algum
claustro


Ana Luísa Amaral
“A Génese do Amor”
Prémio Literário Casino da Póvoa 2007

12 de fevereiro de 2007

Meditação de Catarina

Lentamente tens vindo
a demorar-me
os dias

Como oitava de linha
musical,
ou oitavo de círculo,
assim me vens
a ser

Mas o segmento amplia-se
em proporção de esfera,
dia a dia,
e essa constância envolve-me
em traço comovente

E a mim própria
me espanto

E espanta-me a vontade
de perguntar mais uma vez
por deuses,
de te acolher
agora

E não saber se o tempo
não me fará um dia
de pé sobre o abismo,
uma vez mais

Tal como, olhando o Tejo,
e neste fim de tarde,
te revejo,
e o grito das gaivotas
invade o paço todo:

longo e inteiro:
inesperado:
o lume


Ana Luísa Amaral
“A Génese do Amor”
Prémio Literário Casino da Póvoa 2007

Camões Fala a Petrarca

De ti tardei a tradição e
o tempo

Só não herdei a voz

Essa me é feita
de paragens outras,
de cabos que passei,
mas que são meus

De ti herdei talvez
artes de amar,
mas numa língua outra:

ofícios mais difíceis
de viver

E depois, eu: aqui
e tu: aí – séculos, modos
longos como mares

Aqui me acho gastando
dias tristes,
outras vezes mais belos,
sabendo que esta vida,
a vida em verso,
maior às vezes do que a outra vida,

como depois de nós,
muito depois,
alguém, que será muitos,
falará



Ana Luísa Amaral
“A Génese do Amor”
Prémio Literário Casino da Póvoa 2007